terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Circunvagando (1ª Etapa)

Circunvagando (1ª etapa)


Entre 7 e 20 de Fevº de 2011 andei resignadamente pelas veredas que separam a saúde de algo que merece um nome impreciso e leva-nos sabe-se lá onde. Experimentei um regime de antipiréticos, agasalho, inalações, méis e chás anti-tússicos; acompanhou tudo isto um médico que pretendeu evitar a pneumonia a um doente resignado e à mercê. Ora este último, no momento em que vê a febre recuar por força dum antibiótico, nota aquela dor num dedo do pé, que trepa ao tornozelo. Pé e tornozelo incham disfarçando-se de uma cor-de-rosa que não engana.
A coisa, dor, cor e inchaço dá pelo nome mesquinho de gota. A gota caracterizava os nobres ingleses e abrange não só vítimas inocentes como ainda os descuidados na ingestão de quase tudo o que dá especial deleite ao paladar. Considero-me entre os inocentes.


Quando o médico da fita recomenda a um Oliver Hardy tolhido por um pé de elefante que evite o “high living”, o companheiro Stan Laurel logo propõe que os dois se transfiram para a cave. Piadas assim aliviam-nos. O mais do enredo não vem para aqui chamado, mas o curioso é que, se o meu corpo convalescente não seguiu o alvitre de Laurel, o meu espírito subiu a outros andares: o das estrelas.

Pois achei mesmo na mornidão do quarto, entregue às minhas lucubrações, dois tipos de estrelas, um que me repugna, outro que me embalou a imaginação. No primeiro tipo depararam-se-me aqueles astros anões que se nutrem da influência política da estrela a cuja órbita se acolhem, e à sua sombra gozam benesses vitalícias e grossas impunidades. Pequenos asteróides de poeira e gelo, atracam a um partido, sugam o que podem, e julgam-se senhores de toda a constelação a que os prende a força gravitacional do interesse próprio. Aparentemente grandes, são realmente minúsculos.
Mas (oh! ai! ena! - sei lá!), mais importante, achei por acaso uma luzinha dos céus que, ao fim de tantos anos de eu a julgar uma estrela minúscula, se revelou uma galáxia de tremendo porte. À vista desarmada, fica ali à beira da Ursa Maior, ao ladinho da pega da concha onde se situam as estrelas Alkaid e Mizar, que são as primeiras. A gente esboça para cima um triângulo rectângulo isósceles que tem por hipotenusa o segmento que as une. Sensivelmente no vértice do ângulo recto, divisa-se o dito brilhozinho que mal se revela à vista desarmada.
Qualquer engripado encerraria por aqui a sua chateza.
Mas ao brilhozinho chamam-lhe os astrónomos M101. E agora o pasmo: trata-se da “galáxia Pinwheel”, monstro celeste muito maior do que a nossa Via Láctea. “Pinwheel” quer dizer “ventoinha”, como aquelas, de papel, que na minha infância eu punha a rodar ao vento espetadas num alfinete. Situa-se esta a 25 milhões de anos-luz da Terra. As sete estrelas principais da Ursa Maior distam do meu quarto uns “breves” 60 a 120 anos-luz. O “nosso” Sol, que nos ilumina os dias, prossegue esbaforido à bagatela de nove minutos.
Há, pois, coisas ínfimas que a nossa vista imperfeita considera enormes, a par de outras que tomamos por valiosas e não passam de flatulências.
Existirá um critério de medida universal? Como não há, julgamo-nos relevantes. Quem apenas vê o mundo pela epiderme vai medrando às escuras. Mas se alcança mais curiosas profundidades, retira inesperada linfa de desertos reais ou aparentes.

1 comentário:

  1. ...ainda há quem saiba alimentar os olhos com o brilho das estrelas!..
    São esses que iluminam o céu!
    manuela

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