sexta-feira, 5 de março de 2010

Leandro

O Leandro Filipe, de Mirandela, suicidou-se. Tinha doze anos, a um passo de entrar na adolescência, fase em que principiam a tomar forma as primeiras esperanças conscientes. Ele perdeu assim todo o direito a deixá-las florir. Mataram-no os colegas? Matou-o a sociedade. Os pensadores simplistas ora atribuirão as culpas aos colegas, ora aos pais dos colegas e da vítima, ora aos professores (pau para toda a colher), ora às autoridades. Alguns espanam a consciência no pensamento anestesiante de que “são coisas de crianças”, e encolhem os ombros.
Ora toda a sociedade tem culpa ao acomodar-se a um tipo de civilização que se nutre de heróis de pacotilha e de índices de popularidade baseada no êxito a qualquer preço e inspirada pelas coisas mais fúteis. É a fúria do ganho material e do egoísmo. O herói, para a generalidade do público, não é o que se notabiliza pela virtude ou pelo saber. Tais paradigmas não vendem nem entusiasmam.
Nos filmes e jogos de computador (e que dizer do próprio desporto?), prolifera a violência. O “herói” entra a descascar nos inimigos com golpes físicos e de astúcia que não olham a meios. Escorrem o sangue, o sexo e o embuste, e o artista converte-se no símbolo da vitória. Ainda que porventura mate e esfole com o mero propósito (humanitário) de punir um bandido – e há uma moralidade no fundo do túnel -- , o que sobressai e encanta em particular o jovem é a eficácia da metodologia na qual a violência se tornou um meio salutar. Caiu-se na banalização da morte e numa indiferença crescente perante a brutalidade física e psicológica. Vejam-se, por exemplo, duas versões do mesmo filme, uma na década de quarenta do século passado, outra já no virar para o século actual. As mesmas aleivosias que dantes meramente se insinuavam, e tanto bastava para o bom entendimento, hoje ganham toda a cruel expressão do espancamento, da cópula explícita, do sangue que esguicha e das expressões de terror que os próprios efeitos especiais se ocupam não raro de tornar mais chocantes.
A juventude aproveita-se da quebra de autoridade dos pais e da debilitação dos laços familiares. Assimila tudo o que a excita, e demonstra uma fraqueza inata para se deixar jogar como peões no xadrez dos negócios que, evidentemente, visam o ganho: digere mistelas do pior porque a publicidade a inebria, aceita com crescente naturalidade o desforço por quaisquer meios, odeia ser “perdedora” numa sociedade que endeusa o “ganhador”.
E a escola, que economizou no pessoal auxiliar e deu à juventude as liberdades democráticas de usar e abusar no caminho da facilidade, manifesta-se por um tempo penalizada por estas “coisas de crianças” e acaba por encolher os ombros, pondo um remendo de ocasião num pano que ela e a sociedade deixaram apodrecer.
Dirão que o “bullying” (esta prosápia anglófona!) sempre existiu. Na nossa juventude, a malta escolar “cascava” estouvadamente. Mas é precisa uma boa dose de cegueira e imprecisão nos conceitos para comparar as situações.
Desculpa, Leandro. Vieste ao mundo, mas o mundo não te mereceu.