terça-feira, 26 de outubro de 2010

Vivi em casas caiadas

Vivi em casas caiadas
No mais branco da açucena
Noutras verdes de pinheiro ou azuis do céu,
Ou sem cor para além da que eu sentia.
Houve nelas sombras, frios, calores
E gente querida que morria ou tal parecia.
E nelas a filosofia da vida foi ganhando forma
Com a lentidão da era no muro,
Ano após ano,
Linha a linha, dor a dor,
Pergunta a pergunta,
para nada.

Tu sabes lá o que há em Lagos!

Tu sabes lá
o que há em Lagos
para além mesmo do que julgas
que não há em Lagos!

Lagos não é só o que lá vês,
mas isso acrescido do sentido e da sombra
do que aos olhos te salta
e é o porquê disso
e de muito mais:
É a realidade submersa
e mais além,
esquecida a qual
isso seria aquilo
ou qualquer outra coisa,
mas nunca o que é.

Sem tal realidade submersa
o mar seria água,
a terra uma confusão mineral,
as casas um exercício frio
de arquitectura,
e o seu branco
um qualquer óxido de cálcio.
Os próprios cães seriam
quadrúpedes digitígrados,
ou pestes a abater
em vez dos prodígios
da minha meninice.

Posto o que, Lagos
se resumiria num repositório
de banalidades avulsas.
Ora se Lagos fosse
apenas um repositório de banalidades avulsas,
eu não teria lá nascido,
seria incapaz de ver
por lá
mais do que
a Química, a geometria,
a urbanística exterioridade,
e perderia o melhor do sabor da vida.